quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Zumbido que salva

gussoni abelhas nativas sem ferrão
Quando se fala em abelhas, a primeira imagem que vêm à mente é a dos desenhos animados, especialmente o do Zé Colmeia, em momentos em que alguns personagens tinham que se jogar em rios pra se livrar das ferroadas. Mas um pesquisador de Catanduva, Wilson Gussoni, tem cultivado, em sua casa e na Fazenda Experimental de Pindorama, abelhinhas sem ferrão que produzem mel, própolis e geleia real que funcionam como antibióticos naturais e propriedades curativas muito superiores às de suas parentes europeias e africanas, podendo prevenir câncer, curar graves doenças e combater duas das bactérias mais fortes do mundo, causas de muitas mortes, fato comprovado por farmacêuticos, universidades e pela experiência em tribos indígenas.
O mel também pode ser misturado à água gelada e se transformar num “Gatorade natural”, além de ser um excelente cicatrizante.
O problema é que as abelhinhas nativas praticamente desapareceram. De acordo com Gussoni, existiam 400 espécies no Brasil, das quais boa parte já se extinguiu. O trabalho do pesquisador é justamente ir atrás das que restaram, onde quer que elas se encontrem – ele já foi à mata atlântica do Paraná e à Amazônia – para recuperar e aumentar a população das polinizadoras. Algumas abelhas reencontradas sequer estão catalogadas e ainda não têm nome científico. Hoje, dentre as espécies criadas por ele, estão a mandaçaia, uruçu-amarela e tubiba, esta última mais resistente a agrotóxicos e capaz de produzir um mel não suscetível a mudanças climáticas.
A paixão de Gussoni pelas abelhas começou cedo, mas foi há 10 anos que ele começou a se dedicar às pesquisas, criação e conscientização nas escolas, para evitar que as abelhas sejam mortas. “Muitos, quando vêem uma abelha, já querem matar, desconhecem a importância desses insetos para a vida humana. Einstein já dizia que, sem as abelhas, a vida no planeta não passaria de quatro anos, pois elas polinizam as plantas que gerarão frutos e alimentarão a humanidade e são capazes de aumentar a produção de alimentos em até 60%”, explica.
gussoni abelhinhas em tronco de arvore
As 15 espécies de abelhas nativas, que formam cerca de 100 enxames, criadas por ele, são diferentes das que normalmente vemos em filmes e desenhos e até na vida real. Ironicamente, são estas as que são genuinamente brasileiras. Gussoni conta que os portugueses trouxeram a abelha europeia para o Brasil, durante o período da colonização, por puro desconhecimento. “Eles não sabiam do potencial curativo do mel das nossas abelhas, muito superior às deles. E como o mel era um alimento muito comum dos europeus, eles trouxeram as primeiras espécies estrangeiras pra cá. Nos anos 70, pesquisadores trouxeram as africanas. Como as europeias, elas são maiores e também têm ferrão. O lado bom disso tudo é que, no Brasil, elas se misturaram e, dessa miscigenação, saiu uma qualidade de abelha muito melhor, tornando-se mais resistente a agrotóxicos e a mudanças climáticas”, explica o pesquisador, cuja intenção é soltá-las na natureza local, em quantidades que não sofram mais risco de extinção.
 gussoni4
Em sua recente viagem à Amazônia, Gussoni se deparou com uma tribo de índios que vivem no local há cerca de 1,5 mil anos e sempre utilizaram o mel das abelhas nativas. Entretanto, como esse tipo de abelha costuma depositar seu mel em ocos de árvores, eles cortavam a árvore para extrair seu mel.
Para preservar a natureza, Wilson ensinou os índios a reproduzir as abelhas, sem que seja necessário cortar a árvore, técnica que ele desenvolve em sua própria casa, utilizando caixinhas que imitam o habitat natural. Para chegar ao modelo apropriado, Gussoni teve de fazer diversas análises, dentre elas do diâmetro dos troncos e da temperatura em seu interior.
Por seu trabalho na contribuição para a cura de várias doenças, ele recebeu uma homenagem da USP e já foi campeão do Segundo Concurso Nacional de Méis ASF, com seu mel de cipó uva de abelha tubiba, da região de Urupês. O certificado foi concedido pela Federação das Associações dos Apicultores do Rio. “Sou conhecido no mundo, menos em Catanduva”, diz Wilson.

TAMANHO NÃO É DOCUMENTO
gussoni menor apicultora do mundo
Olhando ninguém diz, mas as abelhinhas brasileiras, bem menores que as africanas e europeias são um tesouro desconhecido, graças à qualidade do mel que produzem. A diferença, segundo Gussoni, está na maneira como polinizam, retirando nutrientes de 95% das plantas nativas, regurgitando o mel mais aquoso e rico em antibiótico natural dentro de pequenos nódulos onde sofrem fermentação. A abelha normal, por não ser daqui, só frequenta algumas espécies e seu mel sofre um processo de desidratação durante o voo. É por isso que o mel delas – e o mais conhecido entre os brasileiros – é mais grosso.
Para exemplificar, Gussoni cita o caso do palmito pupunha, que não estava crescendo por causa da abelha africanizada, que não poliniza qualquer planta e vibra com mais frequência. “As nossas vibram em harmonia com a frequência própria da nossa flora nativa. É mais ou menos como um aparelho elétrico plugado na tomada certa. Utilizamos a abelha nativa e somente ela foi capaz de atingir os órgãos masculinos e femininos das flores”.
Tamanho não é documento também quando se trata de meliponicultores. A filhinha de Gussoni, Maria Júlia, tem apenas dois aninhos, mas já foi nomeada representante da Federação Internacional da Meliponicultura, na Malásia. “Ela suga o mel e me ajuda em tudo. Adora estar no meio das abelhas”, conta o pai, orgulhoso.
Maria Júlia pode ser a menor meliponicultora do mundo e ambientalista por excelência.
gussoni menina brincando com as abelhas

SOCIEDADE PERFEITA

Se a humanidade convivendo com perfeição é uma utopia, as abelhas são um dos melhores exemplos de sociedade perfeita na natureza.
Gussoni explica que, como são seres sociais, em cada enxame, que pode ter de 1,5 mil a 60 mil abelhas, cada grupo nasce já sabendo a função que terá. Existem as faxineiras, as construtoras e diversas outras funções, que obedecem à rainha. Se uma abelhinha faltar, no meio de milhares, a rainha percebe. “Apesar de viverem em um número muito grande, cada uma delas é muito importante. Se vivêssemos como elas vivem, viveríamos bem melhor”, define.
Esse viver melhor seria não somente com relação à organização das abelhas, mas ao alimento que consomem. A geleia real, por exemplo, confere à rainha seis anos de vida, sendo que uma abelha operária vive 58 dias. Dá pra se ter uma ideia do efeito nos humanos.
A geleia caseira, produzida por Gussoni, é vendida a R$ 30, cada 20 gramas. Custaria o dobro nas farmácias.
O mel de jataí cristalizado deve ser mantido refrigerado, para não perder suas propriedades.

gussoni caçando o mel
“Americanos e japoneses já estão roubando nossas abelhas”

“Essa abelha é nossa e ninguém tasca”. Pesquisadores brasileiros como Wilson Gussoni adorariam que a máxima fosse verdadeira, mas, infelizmente, não é. Segundo ele, as abelhas nativas brasileiras têm saído do país, através do comércio ilegal com americanos e japoneses. Estes últimos têm comprado grande parte do estoque de mel e própolis da abelha nativa, depois do tsunami, devido a suas propriedades preventivas ao câncer, que pode ser ocasionado pela radiação.
Gussoni não esconde sua frustração para com a falta de interesse do governo brasileiro em patrocinar pesquisas que possam reverter em futuros medicamentos patenteados pelo Brasil e colocados a serviço da população, evitando doenças e minimizando gastos com a saúde pública. “Isso não é interesse do governo, porque vai bater de frente com os grandes laboratórios, engenheiros, agricultores e com a política nacional como um todo. Até o reflorestamento aqui, da forma como é feito, está errado. Estão criando verdadeiros desertos verdes com árvores que não dão oco para que as abelhas façam seus ninhos e futuramente polinizem as plantas, formando novas árvores. Eles acham que reflorestamento é só plantar a mesma quantidade de árvore em qualquer lugar”.
Gussoni afirma que é ele quem paga por todas as suas pesquisas. “Já cansei de pedir apoio. Sequer me respondem. O problema é que já estamos ficando pra trás, pois os japoneses já descobriram a cura para o câncer através da nossa abelha e já estão patenteando”.
Ele conta que, tempos atrás, esteve com o ex-ministro de Meio Ambiente, Paulo Nogueira, que era membro da ONU (Organização das Nações Unidas). “Na época, ele propôs um projeto de uso deste mel para acabar com a fome no mundo e acabou sendo cortado da ONU”.
A capacidade protetora do mel – mesmo o convencional – foi comprovada quando sua presença foi registrada no processo de mumificação dos antigos faraós e rainhas do Egito. “Há também referências bíblicas ao seu poder nutritivo. João Batista se alimentava apenas de gafanhotos e mel, grande fonte de proteínas. Além disso, é o único alimento na face da terra que não estraga, quando cristalizado”.
Fotos: Divulgação

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