sábado, 30 de setembro de 2017

Criar abelhas sem ferrão na cidade ajuda o meio ambiente, diz Embrapa

Fonte: Globo Rural

Pesquisador da dicas de como criar os insetos, que podem produzir mel em casa desde que se cuide do ambiente

Criando abelhas em casa, é possível produzir mel para consumo próprio. (Foto: Divulgação/Embrapa)
Preservar a vida das abelhas nas cidades também é um ato de preocupação com a conservação do meio ambiente. E segundo o biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental (Belém/PA), é possível criar abelhas sem ferrão em casa, desde que se tome alguns cuidados básicos com o ambiente. O benefício, além de ambiental, é que as pessoas podem produzir o próprio mel para consumo. Além disso, a atividade estimula crianças a entender a importância desses insetos na produção de alimentos.
“O Brasil precisa desenvolver técnicas de criação de abelhas em larga escala para atender a grande demanda tanto de polinização das plantas, como à produção de mel, pólen, própolis e geleia real, por exemplo”, afirma Cristiano, que estuda a biologia e o manejo de abelhas sem ferrão há 13 anos.
Criar abelhas dentro de casa, em um espaço urbano, também pode levar as pessoas a refletirem mais sobre importância de se preservar o meio ambiente. “Um benefício que vejo nessa atividade, é que a população passa a se comportar com consciência ambiental, evitando o acúmulo de lixo e preservando árvores para alimentar esses animais”, explica o pesquisador.
Cristiano ainda destaca que essa atividade, ainda pouco explorada no Brasil, é interessante porque torna possível “produzir o seu próprio mel na cidade, amenizando o impacto do choque entre o meio rural e a zona urbana”. Até mesmo as crianças podem se envolver na criação de abelhas, abrindo espaço para que elas participarem ativamente da natureza.
No entanto, para obter sucesso na atividade, Cristiano Menezes lista alguns cuidados que devem ser tomados. 
Como criar abelhas sem ferrão
- Ter noção do ambiente para as abelhas. É necessário que se more próximo à uma vegetação abundante, como perto de praças;
- Iniciar a criação com três ou quatro colmeias e ir aumentando à medida que as abelhas vão se desenvolvendo e o criador ganhando experiência;
- Manter em casa ou próximo dela, plantas ornamentais e fruteiras que são fundamentais na alimentação desses pequenos animais, como jabuticabeira, pitanga, goiabeira e até hortaliças, como manjericão. É preciso ter muito cuidado com o sol. As colmeias não podem ficar expostas ao sol das 10 horas da manhã às 3 da tarde;
- Escolher as espécies que se adaptam ao meio urbano é importante. As que mais se adaptam são a Jatair, Marmelada e Mandaguari;
- Jamais criar abelhas nativas de outras regiões, como por exemplo, uma espécie do Nordeste, como a Tiúba, na região Sul.
Os diferentes aspectos do mundo das abelhas serão discutido durante o Simpósio sobre Perda de Abelhas, em Teresina, entre os dias 16 e 18 de outubro deste ano. O evento, realizado pela Embrapa Meio-Norte, vai reunir um time de cerca de 200 experientes cientistas brasileiros e internacionais.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Rainha de abelhas sem ferrão não castra operárias

Fonte: Jornal da USP

Estudo mostra ainda que ancestrais de espécies permitiam às operárias se reproduzirem nos ninhos

Pesquisa estudou comportamento reprodutivo das colmeias e a composição química do feromônio das rainhas de 21 espécies de abelhas sem ferrão brasileiras e australianas – Foto: Gilberto Romeu Winter/Wikimedia Commons
Conflitos de classe nos ninhos de abelhas sem ferrão são resolvidos mais democraticamente que nos de abelhas europeias, como as do gênero Apis, pelo menos no que diz respeito ao comportamento reprodutivo.
Ao contrário das rainhas europeias, as representantes dos trópicos não realizam castração química das operárias. O feromônio (odor característico dos componentes químicos que revestem seus corpos) apenas sinaliza sua presença no ninho, não guardando relação com controle de colocação de ovos no ninho. E, mais, essas espécies evoluíram de um grupo ancestral cujas operárias botavam ovos mesmo na presença da rainha.
Nas colmeias de abelhas sem ferrão não somente inexiste castração química como a rainha fértil, botando ovos regularmente na colônia, traz benefícios indiretos às operárias. A tese dos pesquisadores é a de que outros fatores, além dos genéticos (veja adiante), atuam na evolução dessas características, como os ecológicos.
Esses são os primeiros achados do trabalho de Tulio Marcos Nunes, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, publicados em edição recente da Nature Ecology & Evolution. Nunes estudou o comportamento reprodutivo das colmeias e a composição química do feromônio das rainhas de 21 espécies de abelhas sem ferrão brasileiras e australianas.
Rainhas de abelhas sem ferrão, nativas de regiões tropicais, não realizam castração química de suas operárias – Foto: Norberto P. Lopes / Divulgação
Nem todas as espécies tinham dados comportamentais descritos pela ciência. A equipe completou os estudos com o apoio de colegas do Laboratório de Comportamento e Genética de Insetos Sociais da Universidade de Sydney, Austrália.
Já as informações dos hidrocarbonetos cuticulares (feromônio) da rainha são todas inéditas. Os pesquisadores quantificaram e analisaram cada um dos conteúdos químicos de pelo menos uma rainha de cada espécie, com a supervisão do professor Norberto Peporine Lopes, chefe do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais e Sintéticos da FCFRP. O projeto que deu origem ao estudo foi financiado pela Fapesp.

Abelhas pouco estudadas

Num momento em que cientistas alertam para o possível desaparecimento de polinizadores naturais, com riscos para a agricultura, conhecimentos quanto à adaptação evolutiva das espécies sem ferrão nas regiões tropicais interessam não só aos acadêmicos.
Representantes da tribo Meliponini, esse é “um grupo de abelhas extremamente diverso e pouco estudado”, comenta o pesquisador. Popularmente chamadas abelhas sem ferrão ou abelhas indígenas sem ferrão, são nativas e abundantes no Brasil. Mas ocorrem em toda área tropical do mundo – Américas do Sul e Central, África, Ásia e Oceania. Hoje, estão descritas mais de 600 espécies com comportamento e ecologia bem variados.
Nunes espera obter informações para compreender melhor a evolução do comportamento social desses insetos, como eram suas sociedades e como estão organizadas atualmente. Mas, através dos últimos dados, conseguiu verificar como as operárias das espécies sem ferrão respondem ao feromônio da rainha (ou pelo menos à presença ou ausência dela) no controle de colocação de ovos.
E isso foi possível, não apenas observando o comportamento das abelhas em laboratório, mas analisando os compostos químicos das cutículas das rainhas. Em três espécies – Friesella SchrottkiLeurotrigona muelleri Plebeia lucii, essas substâncias eram completamente diferentes. O que, garante Nunes, indica que a “modulação da esterilidade da operária em resposta ao feromônio da rainha surgiu independentemente pelo menos três vezes”.
A distribuição da reprodução das operárias através da filogenia (estudo da evolução da espécie) indica que “a reprodução das operárias na presença de uma rainha era a condição ancestral para as abelhas sem ferrão”, conta o biólogo.

Menos zangões, menos conflitos

Ao observar a reprodução das operárias na presença ou ausência da rainha de cada uma das 21 espécies, o biólogo percebeu que não ocorria impedimento químico à colocação de ovos das operárias. “Na verdade, a presença da rainha botando regularmente no ninho é positiva, tanto para as operárias quanto para a rainha”, diz Nunes.
A rainha é responsável pela produção de toda a prole. Ela é a única fêmea a ser fecundada pelos zangões (machos da colmeia), mas não é a única a botar ovos não fecundados (que originam os zangões), algumas operárias também são. Essa produção é importante para eventual substituição da rainha (morte, por exemplo); novos machos poderão fecundar as ninfas, futuras rainhas.
O conflito genético se instala nessa situação, já que para “a rainha, do ponto de vista evolutivo, teria um maior retorno genético se ela produzisse todos os machos da colônia, que se relaciona geneticamente em 50% com sua mãe”, comenta o pesquisador. E o mesmo vale para as operárias, que têm que cuidar dos filhos da rainha.
Mas a resolução dos conflitos na colônia não se dá apenas contornando fatores genéticos. Nunes conta que a ausência da rainha sempre é sinal de conflito num ninho, porém no caso estudado, da capacidade de modular a própria esterilidade, a operária usa critérios ecológicos para não se reproduzir.
A melhor adaptação evolutiva, usando critérios ecológicos como: reprodução da colônia, tamanho do ninho, sazonalidade e comportamento, também é importante para regular conflitos. Mas o pesquisador acredita que, no caso das abelhas sem ferrão, o contingente populacional seja mais importante que o genético.
O tamanho da colmeia e a quantidade de machos produzidos podem ser fatores decisivos para que as operárias não se reproduzam, uma vez que elas só são capazes de produzir machos e eles não trabalham. “Se muitas se reproduzirem, o custo para a colônia fica muito alto”, comenta.
Rita Stella, de Ribeirão Preto
Mais informações: e-mail tulionunes@usp.br

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Queda acentuada de polinização gera impacto na agricultura

Fonte: Jornal da USP

Aquecimento global afeta produção de frutas, verduras e outras culturas agrícolas dependentes de polinização

Pesquisa busca entender como mudanças climáticas poderão impactar diretamente as culturas polinizadas e a produção agrícola. Na imagem, abelha Borá (Tetragona clavipes) – Foto: Léo Ramos / Revista Pesquisa Fapesp
O aquecimento global e as mudanças no clima podem afetar a ocorrência de polinizadores naturais. Em artigo publicado na revista PLOS One, pesquisadores avaliaram 95 polinizadores de 13 culturas agrícolas dependentes de polinização. Concluíram que quase 90% dos 4.975 municípios analisados enfrentarão perda de espécies polinizadoras nos próximos 30 anos, de acordo com informações da Assessoria de Comunicação da Escola Politécnica (Poli) da USP. Em todo o País, a probabilidade de ocorrência de polinizadores poderá ter uma queda de 13% até 2050, segundo o estudo.
Assinado por um time multidisciplinar encabeçado pela bióloga e pós-doutoranda da Poli, Tereza Cristina Giannini, o artigo Projected climate change threatens pollinators and crop production in Brazil aponta que a região Sudeste será a mais impactada, ao passo que na região Norte há possibilidade de um leve aumento da ocorrência de determinados polinizadores. Entretanto, como afirmou Tereza, atualmente pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável, as perdas serão maiores que os ganhos.
As culturas agrícolas estudadas foram acerola, urucum e maracujá (categorizadas como culturas agrícolas em que a polinização é essencial); abacate, goiaba, girassol e tomate (muito dependentes da polinização); coco, café e algodão (modestamente dependentes); feijão, tangerina e caqui (pouco dependentes). A dependência se deve à morfologia da flor: há flores que não precisam de polinizador animal (o vento, por exemplo, já resolve). Outras precisam que o polinizador carregue o grão de pólen de uma flor para outra, garantindo, assim, a polinização.
“Para as culturas agrícolas e os polinizadores que estudamos, esse foi o resultado. Isso não significa que esse resultado seja válido para todas as espécies”, afirmou Tereza, ponderando que no oeste da região Norte, ainda bem protegido por mata nativa, o impacto das mudanças de clima pode ser menor do que em áreas do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil.
“É importante ressaltar as seguintes descobertas: primeiro, as perdas maiores afetam municípios com baixo PIB, o que pode impactar ainda mais os níveis de pobreza dessas regiões; e segundo, ao mesmo tempo [e em menor grau], elas afetam também um grupo de municípios muito rico, com valores de PIB muito altos que podem ser potencialmente reduzidos pelas perdas de polinizadores”, afirmou a pesquisadora.
As perdas maiores afetam municípios com baixo PIB, o que pode impactar ainda mais os níveis de pobreza dessas regiões.”
Na pesquisa o grupo usou a Modelagem de Distribuição de Espécies (MDE), técnica que determina áreas potenciais de ocorrência de espécies e projeta sua distribuição futura. Para estimar a ocorrência e localização de cada espécie polinizadora, foram usados os bancos de dados do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria) e do Global Biodiversity Information Facility (GBIF).
“A modelagem de distribuição de espécies já tem sido usada há alguns anos. O ineditismo nesse trabalho foi a abordagem de cruzar a estimativa dos polinizadores do País, com foco nos municípios, com o impacto que isso tem na produção agrícola, município por município”, resume o professor Antonio Mauro Saraiva, do Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Computação da Poli.
Supervisor de Tereza no pós-doutorado, ele afirma que o enfoque do trabalho ultrapassa o de um mero exercício científico. “Não se trata de entender apenas como as mudanças climáticas afetarão os polinizadores, mas como elas poderão impactar diretamente as culturas polinizadas e a produção agrícola, e os efeitos econômicos disso – algo que tem uma importância social grande. Esses resultados podem ser apresentados para tomadores de decisão e produtores e a metodologia tem potencial para tornar-se uma ferramenta de políticas públicas.”
“De modo geral, achamos que a adaptação provavelmente vai acontecer com espécies que toleram amplas faixas de temperatura e precipitação. Mas isso é muito difícil de medir. Podemos mensurar a tolerância de um polinizador à mudança de calor, por exemplo. Mas como medir essa mesma tolerância se a mudança demorar dez anos para acontecer?”
Entre as espécies estudadas pelo grupo, Tereza aponta como relevantes as abelhas sem ferrão do gênero Melipona e a Tetragonisca angustula (chamada de jataí); as espécies do gênero Bombus e Xylocopa (as mamangavas); e as abelhas do gênero Centris (abelhas de óleo).
O artigo é assinado ainda por Wilian França Costa, também pós-doutorando na Poli, Guaraci Duran Cordeiro, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, Jacobus Biesmeijer, da Holanda, e Lucas Alejandro Garibaldi, da Argentina, além do professor Antonio Mauro Saraiva.