terça-feira, 18 de outubro de 2016

Transporte de colônias afeta a estrutura genética de abelhas sem ferrão

Por: Elton Alisson | Agência FAPESP 
Prática de meliponicultores de conduzir colmeias de um lugar para outro tem feito com que o perfil genético de populações de abelhas manejadas nas Américas torne-se cada vez mais padronizado, aponta estudo ( Foto: Scaptotrigona hellwegiri/ Ricardo Ayala)
O transporte não regulamentado de colônias de abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponini) por meliponicultores nas Américas tem feito com que o perfil genético de populações desses polinizadores-chave para diversas plantas e culturas agrícolas torne-se cada vez mais padronizado.
Um dos possíveis impactos dessa homogeneização genética poderá ser o desaparecimento de populações de abelhas melhor adaptadas a determinadas condições climáticas e ambientais, aponta um estudo internacional realizado por pesquisadores do Brasil em colaboração com colegas dos Estados Unidos, Portugal e Espanha.
Resultado de um pós-doutorado e de estágio de pesquisa no exterior, realizados com Bolsa da FAPESP, o estudo foi publicado na revista Molecular Ecology.
“Constatamos que a prática não regulamentada e sem controle de transportar colônias tem feito com que as populações das abelhas sem ferrão nas Américas fiquem geneticamente mais homogeneizadas”, disse Rodolfo Jaffé, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV) e primeiro autor do artigo, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores analisaram durante o estudo uma série de fatores que hipoteticamente poderiam influenciar o fluxo genético de abelhas sem ferrão, tais como a distância geográfica entre as populações, as práticas de manejo dos meliponicultores, o tamanho das abelhas, as mudanças no uso da terra (como o desmatamento) e as condições ambientais (como temperatura, elevação e chuva) de seus habitats naturais.
Para isso, analisaram dados de 135 populações silvestres e manejadas de 17 espécies de abelhas sem ferrão, distribuídas em diversos biomas tropicais nas Américas, para as quais estavam disponíveis na literatura estimativas de distâncias genéticas entre populações baseadas em marcadores moleculares microssatélites.
Com base nos dados fornecidos por esses marcadores microssatélites (pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro), eles estimaram o grau de isolamento pela distância geográfica – a diferenciação genética em relação à distância geográfica – das populações das 17 espécies de abelhas.
Os resultados das análises indicaram que o isolamento pela distância geográfica das populações das espécies de abelhas foi significativamente afetado pelo transporte de colônias pelos meliponicultores.
As espécies de abelhas sem ferrão manejadas apresentaram menor isolamento por distância em comparação com as espécies silvestres.
“O natural seria que, quanto maior a distância entre as populações de abelhas manejadas, maior também deveria ser a diferenciação genética entre elas. Mas não foi isso que constatamos”, afirmou Jaffé.
Os pesquisadores observaram esse padrão de menor diferenciação genética em relação à distância geográfica nas populações manejadas das 17 espécies de abelhas sem ferrão analisadas.
“Isso indica que, muito provavalmente, os melipolinicultores estejam transportando colônias de uma região para outra, e que essa prática tem causado a padronização do perfil genético dessas abelhas”, estimou Jaffé.
Impactos
De acordo com o pesquisador, o transporte de colônias de abelhas sem ferrão é uma prática comum entre os melipolinicultores e recomendada no caso de áreas desmatadas, que perderam suas populações naturais de abelhas.
Já no caso de áreas preservadas, a recomendação é manter a dinâmica natural das populações de abelhas existentes ao não introduzir abelhas de outras regiões.
“A prática de transporte de colônias de abelhas sem ferrão é delicada e deveria ser regulamentada e controlada”, afirmou Jaffé. “O transporte de colônias pode ser permitido dentro da área de distribuição natural de uma espécie, desde que as colmeias sejam saudáveis e as populações sejam previamente avaliadas”, apontou.
De acordo com ele, um dos possíveis impactos causados pelo transporte não controlado de colônias de uma região para outra é a introdução de doenças em lugares onde não existiam.
Outro problema é a perda de populações de abelhas até então isoladas, que estavam adaptadas às condições climáticas e ambientais de seus habitats naturais, e que podem desaparecer com a chegada de novas populações.
“A introdução de abelhas de um determinado lugar em outro pelo transporte de colônias tem causado a perda da diferenciação genética que existia entre as abelhas desses dois lugares diferentes”, apontou Jaffé.
Dispersão limitada
Estima-se que as abelhas sem ferrão são particularmente suscetíveis à degradação ambiental em razão de sua dispersão limitada.
As colônias-filhas das abelhas sem ferrão se estabelecem próximas às colônias-mães porque dependem de recursos de seus entes maternos durante seus estágios iniciais de desenvolvimento.
A dispersão limitada desse grupo de abelhas, que são essenciais para a reprodução de muitas espécies de plantas e polinizadores críticos para diversas culturas agrícolas, torna-as particularmente sensíveis a mudanças no uso da terra, como as provocadas por desmatamento, explicou Jaffé.
“Se uma área de floresta primária é desmatada, as abelhas que habitavam aquele local terão dificuldade de se deslocar para outra região e encontrar outro habitat em razão de sua dispersão limitada”, estimou o pesquisador.
Estudos anteriores estimavam que a degradação dos habitats naturais também poderia dificultar o fluxo de genes das abelhas sem ferrão e conduzir ao esgotamento da diversidade genética, aumentando o risco de extinção de populações desses animais. E que a topografia, temperatura e níveis de precipitação também poderiam influenciar os padrões de diferenciação genética das populações de abelhas.
Os pesquisadores verificaram durante o estudo, contudo, que os fatores ambientais e o desmatamento não tiveram efeito sobre a diferenciação genética das espécies de abelhas analisadas.
“Essas espécies de abelhas sem ferrão estão conseguindo se dispersar e manter fluxo genético através de diferentes gradientes altitudinais, padrões de temperatura e de precipitação e em áreas desmatadas”, afirmou.
Essa constatação sugere que para assegurar a conservação dessas espécies de abelhas sem ferrão não é tão importante manter a conectividade entre as populações, uma vez que já estão conectadas, mesmo em áreas desmatadas. Mas, sim, promover a manutenção e a recuperação de ambientes “amigáveis” aos polinizadores – onde existam recursos suficientes para o estabelecimento das colmeias e a alimentação das abelhas–, apontou Jaffé.
“Uma vez que essas abelhas conseguem se dispersar por ambientes heterogêneos, elas precisam de ambientes com recursos suficientes para estabelecer seus ninhos e de flores para se alimentar de seu néctar”, afirmou.
O artigo “Beekeeping practices and geographic distance, not land use, drive gene flow across tropical bees” (doi: 10.1111/mec.13852), de Jaffé e outros, pode ser lido na revista Molecular Ecology emonlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/mec.13852/abstract;jsessionid=6ABAA791F75815FE8EA88AF8AEC8DAC7.f01t02.

domingo, 16 de outubro de 2016

Dia Mundial da Alimentação

16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação!!
Então que tal falar um pouco sobre um doce e nutritivo alimento?! O mel:

Fonte: Wikipédia


O mel é o único produto doce que contém proteínas e diversos sais minerais e vitaminas essenciais à nossa saúde. Além do alto valor energético, possui conhecidas propriedades medicinais, sendo um alimento de reconhecida ação antibacteriana.
mel, assim como a cera produzidas pelas abelhas eram de extrema importância para os nativos das Américas. O mel era consumido ao natural ou usado para adoçar outros alimentos. A cera de abelha era usada na confecção de instrumentos musicais, na vedação de utensílios, como cola, polimento e lubrificação de artefatos e também na iluminação[32].
Os Asteca do México incorporavam o mel nas suas refeições matinais. As classes mais baixas tomavam atole (pasta de milho com água quente) adoçada com mel ou temperada com pimenta. As classes abastadas tomavam chocolate com mel e baunilha, ou milho adocicado, pimenta ou suco fermentado de agave[33].
Os Panará de Mato Grosso[34], os Parakanã do Pará[35] assim como os Kaiapó da Amazônia[36] e os Tapirapé[37] e os Bakairi[38] de Mato Grosso buscavam em suas coletas o mel, que adoravam. As mulhetes dos nativos Erigpagtsá ou Canoeiro do rio Juruena, no Mato Grosso, faziam um furo na casca do fruto do cacau, através do qual misturavam os caroços com a polpa e adicionavam mel. A iguaria era oferecida aos homens que comiam o conteúdo quebrando o fruto[39]. Entre os Surui de Rondônia os futuros pais faziam festa servindo bebida feita de mandiocaaçaí e mel aos convidados, mas os anfitriões não podiam bebê-la[40].
Além de o saborearem ao natural, nativos do rio Negro faziam um prato cortando o abacaxi em quatro e o ralavam com a casca. A massa era misturada ao mingau de tapioca e cozida com mel[41]. Os Wari de Rondônia coletavam e consumiam até o início do século XXI frutos de vários tipos de palmeiras como patauáinajátucumãburitibabaçu e pupunha. Estes e outros frutos eram consumidos puros ao longo do dia ou acompanhados de bebidas doces feitas de milho, mel, tubérculos ou frutos[42].
Na década de 1940, enquanto os homens partiam em viagens de caça com o arco e flecha, uma rede de dormir às costas e espigas de milho, as mulheres dos Tupari do Pará faziam excursões diárias à floresta em busca de pequenos peixescaranguejos e outros crustáceos e larvas de insetos, que eram consumidas com mel[43].
Os Paresi, do Mato Grosso, eram uns dos poucos índios da América do Sul que domesticavam abelhas. Mantinham-nas em cuias com duas aberturas, uma para a entrada dos insetos e outra, bloqueada com cera, por onde eram retirados os favos[44]. Muitas tribos, como as que habitavam a Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia, e as do oeste da Venezuela e os Maia de Cuitamal (México) praticavam a meliponicultura, ou seja, criavam abelhas para obtenção do mel. Indígenas das Américas criavam abelhas sem ferrão dos gêneros Trigona ssp. e Melipona spp.. Com a introdução das abelhas com ferrão do gênero Apis spp. pelos europeus a partir de 1622 índios do México e América Central lideraram sua domesticação e criação[45].
Os Araweté do Pará ainda valorizam sobremaneira o consumo de mel de abelhas e vespas e os classificam em 45 tipos, comestíveis ou não. Associam a época de seu intenso consumo, que se inicia em setembro, à chegada à aldeia do espírito do Ayaraetã, o pai do mel, atraído pelos chamãs[46].
Os Kaiapó da Amazônia conheciam mais de cinquenta espécies de abelhas e as comiam cruas, assim como os marimbondos[36]. Os Rikbaktsa do Mato Grosso empregam o mel como adoçante, misturado à água e para adoçar uma grande variedade de refrescos e sopas feitos de inúmeros vegetais[47].
Quando algum índio Cinta Larga do Mato Grosso em viagem ou caçada encontrava árvore com colmeia na floresta ele marcava o local e dias depois organizava excursão para retirar o mel. Também era o responsável por limpar o local, orientar a derrubada da árvore, remover os favos e distribuí-los aos companheiros, ficando com a maior parte para ele e sua família[48]. Quando a colmeia era no solo os índios que estavam na frente colocavam um pedaço fino de madeira na entrada. Os que estavam atrás cavavam buracos que chegavam a três metros de profundidade para chegar à colmeia[49].
Os Botocudo de Minas Gerais quebravam com pedras o tronco da árvore que continha a colmeia expondo os favos. O mel era coletado com cascas de árvores e devorado[50]. Transportavam o mel embebido em grandes bolas feitas do miolo do tronco de uma árvore[51]. Os Parakanã do Pará derrubavam as colmeias das árvores e para transportar o mel, envolviam os favos em pínulas da palmeira jussara[35]. Outra maneira de alguns índios transportarem o mel era colocá-lo em uma vasilha confeccionada com folhas sobrepostas e amarradas pelas duas extremidades[52].
Em algumas tribos amazônicas acreditava-se que a pessoa que estava plantando milho não podia se aproximar do fogo, não podia ter contato com certos peixes, principalmente os que se alimentavam de folhas e o mel da abelha jandaíra lhe era proibido[39]. Os Kaiapó da Amazônia acreditavam que o grande herói e feiticeiro mitológico Bep-korôrô-ti morava nas nuvens e alimentava-se de mel e para obtê-lo lançava ventos e relâmpagos para quebrar galhos e derrubar árvores. Para acalmá-lo os índios ofereciam a ele oferendas e alimentos. Supunham também que os marimbondos possuíam sociedade semelhante à do homem[36].

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Abelhas sem Ferrão: é conhecendo que se pode conservar

Fonte: Jornal Valença Agora


Popularmente conhecidas como abelhas sem ferrão, as Meliponas, dentre várias características, não apresentam um ferrão funcional como o que está presente nas conhecidas abelhas “europeias, africanizadas ou italianas”,pertencentes ao gênero Apis. Diferentes destas, umas das principais formas de reconhecimentos das abelhas sem ferrão na natureza é pela entrada do ninho.Algumas espécies possuem a arquitetura formada por barro (Meliponas, exemplo uruçu-verdadeira) e outras formada por resinas (Trigonas, exemplo jataí), (Fig. 01). Algumas apresentam o corpo robusto, coberto de pêlos, amarelos e são facilmente confundidas com as abelhas africanizadas.Outras apresentam o corpo com cores intensas e metálicas, as conhecidas abelhas das orquídeas. Algumas podem ser pequenas, de cor preta e parecidas com “mosquitinhos”. Podem construir seus ninhos em ocos de árvores, no chão ou em fendas de construções como alvenarias. Dentro da colmeia estão presentes os discos de cria(Fig. 02), que dependendo da espécie podem estar organizados em “degraus”, empilhados um em cima do outro,separados por pequenos pilares de cera, ou podem ser em formas de “cachos”.


Figura 1- Entrada do ninho deuruçu-amarela (Melipona mondury). Foto: Acervo pessoal

Dentre as espécies de abelhas sem ferrão que ocorrem na Bahia, em especial na região Baixo Sul, onde o município de Valença está localizado, podemos destacar: uruçu-verdadeira (Melipona scutellaris), uruçu-amarela (M. monduri), jataí (Tetragonisca angustula), arapuá/ irapuã ou abelha-cachorro (Trigona sp.). Dentro da colmeia, estão presentes as operárias, que realizam a coleta de materiais na natureza importantes para a manutenção do enxame, além da abelha rainha, zangão e “princesas” (abelhas jovens que se tornarão as futuras rainhas) (Fig. 03). A depender da espécie, podem ser encontrados de 2.000 a 5.000 mil indivíduos/colmeia, que junto com as condições ambientais e principalmente o pasto meliponícola local (espécies de plantas que são fontes de alimento para as melíponas), podem ser produzidos 2 ou 2,5 litros de mel/ colmeia no período de 1 ano.Assim, esse grupo de abelhas,além de possuírem um comportamento menos defensivo, torna-se uma excelente proposta para complementação da renda de agricultores familiares. É importante agente lembrar que a principal função das abelhas na natureza é polinizar as flores, e não produzir o mel, o pólen (samburá), a resina, própolis (geoprópolis),cera entre outros produtos conhecidos.Todos esses itens que existem na colmeia são resultados secundários, fruto, do trabalho das operárias.

Esse processo de polinização ocorre quando o pólen que está numa flor (macho) é carregado pela força do vento, da água, até mesmo de forma artificial pelas mãos do homem, e por várias espécies de insetos, e cai sobre a parte feminina de outra flor.Entre os insetos, as abelhas sem ferrão destacam-se por realizarem mais de 60% da polinização de várias culturas, sobretudo as de potencial alimentícios. Logo, essas abelhas são responsáveis pela manutenção de várias espécies de plantas nativas, como por exemplo leucena (Leucaena sp.), baraúna (Schinopsissp.), além de possuírem afinidade em visitar outras plantas introduzidas, e frutíferas que estão presentes nos quintais de nossas casas, como por exemplo a goiaba (Psidiumguajava), a jabuticaba (Myrcia sp.). Contudo, a partir de mais estudos, conhecimentos e divulgação de informações sobre as características, comportamento e importância do papel das abelhas sem ferrão na natureza a real e contínua conservação das espécies desse grupo de insetos, de fato,  acontecerá.


Figura 2- Interior do enxame de uruçu-amarela (Meliponamondury); (A) Abelha rainha e (B) operárias da espécie. Foto: Acervo pessoal

Zaline dos Santos Lopes1
1Bióloga, Mestre em Genética, Biodiversidade e Conservação, Professora substituta – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano –campusValença-BA