quinta-feira, 9 de abril de 2015

Aquecimento de colméias de abelhas sem ferrão: vale a pena?

As temperaturas já estão diminuindo, então vale a penar relembrar uma antiga matéria da APACAME no MensagemDoce cujo tema também já foi escrito aqui num outro post:


Ayrton Vollet Neto1; Cristiano Menezes¹; Vera Lucia Imperatriz Fonseca2;
1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Biologia;
2 Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Ecologia;
Autor para correspondência: ayrtonneto@usp.br


Apresentação

A criação das abelhas sem ferrão tem atraído a atenção das pessoas das mais diferentes regiões do Brasil e do mundo. Devido à grande diversidade de espécies e pouca pesquisa aplicada, as técnicas de manejo e criação destas abelhas são ainda restritas e, geralmente, pouco eficientes em comparação com as utilizadas nas abelhas melíferas. Nas regiões mais frias, onde o inverno é mais rigoroso, as baixas temperaturas consistem em um dos fatores que determinam as espécies a serem criadas e o sucesso na criação das que são adaptadas ao clima. Na tentativa de criar condições adequadas para o desenvolvimento das colônias nestas regiões, os meliponicultores desenvolveram caixas especiais com controle de temperatura. Mas será que todo este esforço é válido? Vale a pena investir nos sistemas de aquecimento para colméias?

Introdução

É cientificamente comprovado que as abelhas sem ferrão possuem a capacidade de controlar a temperatura do ninho dentro de uma faixa específica. Este processo é denominado termorregulação colonial1. A temperatura dentro do ninho é mantida dentro de limites estreitos, mesmo quando há grandes variações na temperatura do ambiente externo. Em geral, ela é mantida entre 25ºC e 32ºC. Obviamente, isso pode variar um pouco de acordo com a espécie, com a força da colônia e com fatores externos, como exposição ao sol por tempo prolongado.

A termorregulação pode ocorrer de diversas formas. Uma delas é através de estruturas do ninho como o invólucro (finas camadas de cerume que cobrem a região da cria) e o batume crivado (estrutura formada com resina, barro e cerume, crivada externa ao ninho, que limita o local ocupado pelo ninho no oco, permitindo passagem de ar). Os indivíduos também realizam ativamente a termorregulação através da ventilação dos ninhos, criando um fluxo de ar através do batimento das asas das operárias. As operárias produzem calor metabólico (calor do próprio corpo), mas este processo ainda não foi muito estudado e não se sabe com certeza se elas controlam intencionalmente a temperatura para a realização da termorregulação2,3 .

Provavelmente o controle da temperatura tem como principal função criar condições adequadas para o desenvolvimento da cria, como já foi provado para a abelha melífera do gênero Apis, porém para os meliponíneos ainda são necessários estudos mais detalhados sobre como a temperatura influencia este processo.

Na prática, os meliponicultores também observam os efeitos das baixas temperaturas nas abelhas sem ferrão. No período de inverno das regiões mais frias (sul e sudeste do Brasil, por exemplo) as colônias sofrem um evidente enfraquecimento, observado na forma de diminuição na população e tamanho dos favos, e escassez de alimento (mel e pólen), sendo que este último pode também ser causado pela diminuição da oferta de recursos (menos floradas neste período). Estas condições fazem do inverno um período crítico para a meliponicultura, pois uma divisão nesta situação pode levar à morte tanto da colônia filha quanto da mãe. Além disso, é comum ocorrer a morte das colônias que já estavam fracas antes do inverno ou que estavam em processo de formação.

Diante desta situação, vários meliponicultores e pesquisadores já procuraram soluções e aparentemente vêm obtendo sucesso. Foram desenvolvidas colméias com sistemas de aquecimento para manutenção e multiplicação dos ninhos de meliponíneos durante o período de inverno. Dois exemplos importantes e bastante parecidos são os dos pesquisadores Giorgio Venturieri e Luciano Costa4 e do meliponicultor Valmir Zuge5. Ambos desenvolveram caixas de madeiras com resistências elétricas embutidas que, controladas por um termostato, permitem o controle da temperatura interna com bastante precisão.

Os sistemas existentes até então, porém, são relativamente caros e de grande complexidade, exigindo mão de obra especializada para montagem e manutenção. Além disso, não existem trabalhos científicos que mostram qual a verdadeira contribuição ao desenvolvimento das colônias que os sistemas aquecedores trazem.

Nosso objetivo foi o de desenvolver aquecedores de baixo custo e fácil montagem para serem utilizados na meliponicultura e, principalmente, testar a eficiência do aquecimento sobre colônias de abelhas sem ferrão durante o período de inverno. O parâmetro usado para medir a eficiência foi o número de células de cria construídas por intervalos de tempo, que irá refletir diretamente no tamanho da população daquela colônia.

O aquecedor:

O sistema é constituído de uma caixa de isopor retangular (12x15x7cm), com o lado de cima aberto (sem tampa), forrada com papel alumínio, com a parte refletora para fora. Dois furos em um dos lados menores da caixa permitem a passagem de dois fios que vão se conectar a um soquete de cerâmica para lâmpadas internamente, no qual é conectado uma lâmpada vermelha de 7W. O soquete deve ficar apoiado em um pequeno pedaço de isopor (que pode ser feito com a própria tampa de isopor) encapado com papel alumínio. Para dar acabamento, cola de silicone é usada nos orifícios e nas partes elétricas expostas ao ambiente (plugs de tomadas). (Seqüência de figuras 1 e 2). A seguir encontra-se a tabela com os valores dos produtos (valores válidos para Ribeirão Preto/SP em 2008, sujeito a alterações em outras localidades - salário mínimo em 2008 R$ 415,00): 


Para instalar o aparelho basta colocá-lo sob a caixa da colônia. A caixinha de isopor suporta tranqüilamente caixas pesadas e pode ser instalada em uma grande variedade de tipos de caixas. Em caixas pequenas ou cuja madeira do piso é muito fina, coloca-se uma ou duas camadas de papelão entre o aquecedor e a caixa para dissipar um pouco o calor. A instalação demanda tomadas disponíveis e, neste momento, extensões e plugs "T" ajudam muito.

A rede inteira foi ligada a um termostato da marca "Fraellio", modelo FR10 e um contator (peça da eletrônica utilizada para controle de ligamento/desligamento de sistemas elétricos), de maneira que este sistema foi programado para ligar a corrente quando a temperatura ambiente diminuísse abaixo de 20 ºC e cortar a corrente quando a temperatura ultrapassasse os 20ºC. Uma outra possibilidade de controle do equipamento é a de usar um temporizador ("timer"), cujo custo é menor (cerca de R$ 30,00) e pode ser regulado para ligar durante as horas mais frias do dia (madrugada) e desligar ao amanhecer.

A rede elétrica que liga os aquecedores pode ser facilmente montada com o uso de extensões com "plugs macho e fêmea", e "plugs T", criando uma rede bastante maleável e de custo reduzido, que pode se adaptar à organização espacial do meliponário e da infraestrutura que se pretender utilizar. O custo aproximado para construir uma rede em um meliponário organizado em forma de prateleiras que suporta cerca de 50 colônias seria em torno de R$ 150,00 a R$ 300,00 (valores válidos para Ribeirão Preto/SP em 2008, sujeito a alterações em outras localidades - salário mínimo em 2008 R$ 415,00).

Teste da eficiência:

Para saber se o aquecedor realmente contribui no desenvolvimento das colônias no inverno, nós consideramos a taxa de construção de células de cria como o melhor parâmetro de desenvolvimento colonial para ser analisado. Nesse caso, analisamos 2 grupos de colônias, no meliponário da FFCLRP - USP, em Ribeirão Preto:

1.7 colônias de Tetragonisca angustula (Jataí) já estabelecidas (todas com pelo menos 1 ano);

2.7 colônias de Nannotrigona testaceicornis (Iraí) em estabelecimento, ou seja, recém dividas cerca de 2 a 3 meses antes do experimento;

O número de células de cria construídas em intervalos de tempo foi quantificado através de fotos da região da postura da rainha. Através da comparação de fotos consecutivas pode-se determinar o número de células construídas no intervalo. Para evitar que características intrínsecas de cada colônia interferissem nos resultados, todas as colônias receberam um tratamento SEM aquecedor durante um período, e em seguida COM aquecedor, em um próximo período, ambos os períodos com temperaturas médias semelhantes.

Resultados:

Efeitos do aquecimento na produção de células de cria:

Os resultados obtidos foram muito promissores. Ambas as espécies aumentaram significantemente a construção de células de cria quando utilizados os aquecedores. A média de células construídas no período COM aquecedor foi de 1,7 vezes (70% a mais) maior do que o período SEM aquecedor nas Tetragonisca angustula, e 4,4 vezes (340%) nas Nannotrigona testaceicornis (Figura 4).

Aplicação na meliponicultura:

Esses resultados são muito interessantes para aplicação na meliponicultura. O grande aumento na taxa de postura das colônias em estabelecimento (4,4 vezes) indica a possibilidade de novas divisões no período de inverno. Assim, as colônias multiplicadas neste período, desde que bem alimentadas, poderiam se desenvolver normalmente, permitindo a realização de uma multiplicação das colônias adicional durante o inverno.

Nas colônias estabelecidas, verificou-se um aumento menor, mas que não deixa de ser significativo. O aumento de 1,7 na taxa de postura pode auxiliar a cobrir a perda de população que acontece no inverno. Este incremento na população neste período poderia fazer com que a colônia entrasse na época de produção de mel e pólen (primavera) em melhores condições, podendo haver um incremento na produtividade. Além disso, pode ser que menos mel (alimento energético) seja gasto na manutenção da temperatura do ninho, garantindo reservas maiores e menos gastos para o meliponicultor em alimentação.

Custo do aquecimento:

O investimento em cada colônia foi de aproximadamente R$ 5,70 em material e R$ 0,70 de energia por mês (considerando que ficariam 10 horas ligados por dia - segundo CPFL Paulista). Estes valores colocam este modelo de aquecedor como o mais econômico, em termos de material e gasto energético, dentre os descritos na literatura.

A aplicação destes sistemas na meliponicultura pode parecer um investimento financeiro alto, devido ao grande número de colméias que os criadores possuem. Porém é um valor relativamente baixo quando comparado ao valor que representa a morte de colônias no inverno e eventuais divisões que podem ser feitas com o uso dos sistemas.

Conclusão:

E afinal, vale a pena investir no aquecimento das colônias?

Os aquecedores em geral se mostram eficientes na manutenção de uma população estável de meliponíneos durante e depois do inverno, através do aumento da produção de células de cria em relação ao não uso dos sistemas aquecedores. Neste trabalho apresentamos um aquecedor de baixo custo e cuja eficiência foi comprovada. Os resultados mostraram que as colônias aquecidas ficam mais fortes, com maior população . Portanto, podemos concluir que vale a pena investir em sistemas aquecedores, e que estes equipamentos são úteis para o manejo e criação das abelhas sem ferrão em regiões com invernos rigorosos.

Roteiro para confecção dos aquecedores:

Passo 1: Preparação da caixa de isopor.

Utilizando-se da própria tampa das caixas de isopor, corta-se uma base para o soquete das lâmpadas (fazer uma canaleta para apoio do soquete), fixando este suporte em um dos lados da caixa de isopor;

Em seguida forra-se a caixa com o papel alumínio cortado em forma de cruz (cada haste da cruz com medidas que excedem um pouco as medidas internas das caixas, de maneira a se sobreporem ligeiramente quando dobradas). Com auxílio de uma fita adesiva aluminizada, fixa-se toda esta estrutura.

Passo 2: Instalação da parte elétrica.

Através de dois furos (que podem ser feitos com uma "chave philips") no lado que a base do soquete foi fixada passam os dois fios que irão se conectar ao soquete de cerâmica. Estes fios se conectam na outra extremidade à um "plug macho" de tomada. Com uma pistola de cola de silicone é feito o acabamento, de maneira a fixar os fios nos furos e vedar aberturas nos "plugs", de maneira a proteger de possíveis intempéries.

Passo 3: Instalação do aquecedor.

Basta colocar o aquecedor sob a caixa, de maneira a centralizá-lo. Nas caixas com base finas (< 2,0 cm), recomenda-se a colocação de uma (dependendo duas) camadas de papelão. Isto vai depender também da madeira, sendo que o meliponicultor deve observar o comportamento das abelhas (ventilação, agitação) para inferir se está acontecendo o superaquecimento da caixa.

Figuras:

Figura 1: Montagem da caixa de isopor;

Figura 2: Instalação da parte elétrica;

Figura 3: Variedade de tipos de caixas que permitem a instalação do aquecedor;

Figura 4: Média de células construídas por dia, para T. angustula e N. testaceicornis, com cada tratamento.


Referências bibliográficas

1Wilson, E. O. Insect Societies. Harvard University Press, 1971, 562p.

2Engels W., Rosenkranz P., Engels E. Thermoregulation in the nest of the Neotropical stingless bee Scaptotrigona postica and a hypothesis on the evolution of temperature homeostasis in highly eusocial bees. Stud. Neotrop. Fauna Environ., 30: 193-205, 1995.

3 Nogueira-Neto P. Vida e Criação de Abelhas Indígenas sem Ferrão. São Paulo: Editora Nogueirapis, 1997, 445p.

4 Costa, L., Venturieri, G.C. Caixas incubadoras para formação de colônias de abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponina). Biosci. J., 23 (1): 141-146, 2007.

5 Züge, P. V.; Aidar, D. S. Colméias Térmicas Züge-Aidar para meliponíneos (Hymenoptara, Apidae, Meliponinae). Revista Mensagem Doce, 57: 27-29 ,2000. http://www.apacame.org.br/mensagemdoce/57/artigo.htm

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