terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Morte de abelhas é prejuízo econômico para agricultura

 Fonte: O Popular

Não são apenas os apicultores que perdem dinheiro; insetos são parte importante na polinização de várias culturas e ganho de produtividade em lavouras

Por Lucia Monteiro (21/01/2024)

José Elton de Melo Nascimento, zootecnista e supervisor de apicultura do Senar-GO: uso de agrotóxicos de forma indiscriminada podem matar as colônias de abelhas (Wildes Barbosa / O Popular)

A morte de quase nove milhões de abelhas em três apiários de Goiás, supostamente devido a uma pulverização em fazendas vizinhas, reascendeu a discussão sobre a importância destes insetos, não apenas para a sustentabilidade ambiental, mas também para toda economia agrícola. Estudos sobre apicultura e meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) já mostraram que a polinização melhora em até 30% a produtividade das lavouras. Para algumas culturas, como a da melancia, a dependência chega aos 95%.

Em Bela Vista, 26 colmeias foram atingidas, e outras 32 em Silvânia. “Quando se fala em proteger as abelhas, estamos falando em proteção de culturas agrícolas. Não só de apiários e colmeias, pois as abelhas são as polinizadoras mais importantes da terra”, alertou o delegado Luziano de Carvalho, da Delegacia Estadual de Meio Ambiente. Segundo ele, três procedimentos de investigação foram instaurados para apurar a existência de crime ambiental por uso inadequado de agrotóxicos.

“A estimativa é que cerca de 500 colônias de abelhas tenham sido mortas em Goiás só no ano passado”, alerta o zootecnista José Elton de Melo Nascimento, supervisor de apicultura do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural em Goiás (Senar-GO). Cada uma tem entre 80 mil e 90 mil insetos, o que significou a perda de milhões de abelhas.

A polinização é a transferência dos grãos de pólen de uma flor (estame), que é a estrutura masculina, para o estigma, que é a estrutura feminina, da mesma flor ou de uma flor para outra. O zootecnista lembra que 87% das espécies de plantas com flores e 75% de todas espécies de plantas usadas para alimentação humana dependem da polinização, feita principalmente pelas abelhas.

“As abelhas são um dos insetos que fazem a polinização, que também depende de animais, como morcegos, besouros e beija-flores. Mas elas representam 78,9% do total dos animais que participam deste trabalho”, alerta. A produção de frutas como maracujá, melancia, melão, morango e cacau depende mais de 95% da polinização, sem a qual os frutos sairiam menos doces, menores ou até deformados, além de produzirem uma quantidade menor.
Commodities
Mas o supervisor de apicultura do Senar-GO alerta que a polinização também é importante para as lavouras de commodities. Ele conta que, no caso do plantio de soja, por exemplo, este trabalho feito pelas abelhas pode representar de 10% a 17% de incremento na produção, com grãos maiores, mais oleaginosos e maior quantidade deles por vagem. “Muita gente pensa que a soja não depende das abelhas. Mas elas são importantes até para a produção de carne, pois os animais se alimentam de grãos e gramíneas, que também são polinizadas pelas abelhas”, explica Nascimento.

A professora Edivani Villaron Franceschinelli, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em apicultura, explica que a soja tem uma dependência mais modesta dos polinizadores, pois em sua flor da ocorre a autopolinização, sem a necessidade de um polinizador. Mas ela alerta que, quando as flores de soja da lavoura recebem a visita das abelhas polinizadoras, a produção de grãos por vagem aumenta.

“O mesmo ocorre com diversos cultivares de feijão crioulos que foram estudados. Verificamos isso também em plantações de tomate da região de Goianápolis e Anápolis”, informa a professora e pesquisadora da UFG. A instituição produziu até uma cartilha direcionada aos produtores de tomate alertando sobre a importância da polinização para melhor produção dos tomateiros e orientando sobre a adoção de práticas agrícolas amigáveis aos polinizadores, como os cuidados na utilização de insumos agrícolas.
“Mas estamos trabalhando com a polinização dos tomateiros nas mesmas áreas de dez anos atrás e estamos constando uma falta das abelhas que visitavam as flores do tomateiro. A taxa de visita delas e a diversidade de abelhas é muito menor dez anos depois”, diz Edivani Villaron. Ela informa que o estudo coletou dados no ano passado e vai continuar neste ano.
Por tudo isso, o supervisor de apicultura do Senar alerta que o grande produtor de commodities também deve estar atento e tomar os cuidados necessários, pois apiários próximos de suas lavouras ajudam no aumento da produtividade de suas lavouras. “Muitos não têm informações e usam agrotóxicos de forma indiscriminada, que podem matar as colônias de abelhas”, destaca. Porém, outros são avisados sobre a necessidade de informar o dia e horário de aplicação dos defensivos agrícolas, mas alguns negligenciam isso, sem saber que terão prejuízo.

A desorientação e morte provocadas pelos agroquímicos nas abelhas causam desequilíbrio financeiro e ambiental. “Quando colônias de apiários são mortas, o prejuízo é enorme para o apicultor, que perde sua fonte de receita, que é o mel. Mas também há o desequilíbrio ambiental, porque 90% das plantas nativas dependem delas para se reproduzir”, alerta o zootecnista.
Ele lembra que elas são um tripé da sustentabilidade: a parte econômica da produção de mel e polinização de produtos agrícolas; a questão social, pela oportunidade de geração de renda para produtores no campo, e a questão ambiental, porque plantas dependem delas e o homem também.
Gabriela Souza, consultora da Souza Consultoria, especializada em Apicultura e Meliponicultura, e 2ª secretária da Associação de Apicultores no Estado (Apigoias), acredita que a polinização pode elevar em até 30% a produção de soja por hectare. “Dá pra fazer a consorciação da apicultura com qualquer lavoura, desde que ambos se respeitem em termos de produção. Um bom exemplo é o café, cuja lavoura tem produtividade elevada em até 40% quando a área tem apicultura”, ressalta.

Para ela, a alta mortalidade de abelhas é prejuízo certo não só para o apicultor. “Isso pode comprometer uma vida de trabalho do apicultor, que vive disso e precisa começar do zero, ficando pelo menos um ano sem produzir”, conta. Mas o agricultor também pode ter grande prejuízo, de acordo com o nível de dependência da cultura em relação à polinização, além da perda de produtividade. “Em alguns lugares já há deficiência de abelhas”, alerta. Em estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, produtores de soja já estão adquirido os próprios apiários ou até alugando colmeias para fazer a polinização e aumentar a produção. Para a consultora, os números sobre mortalidade de abelhas podem ser bem maiores, pois muitos apiários não têm registro. Sem falar nas abelhas que não estão em apiários.

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