terça-feira, 5 de setembro de 2017

Rainha de abelhas sem ferrão não castra operárias

Fonte: Jornal da USP

Estudo mostra ainda que ancestrais de espécies permitiam às operárias se reproduzirem nos ninhos

Pesquisa estudou comportamento reprodutivo das colmeias e a composição química do feromônio das rainhas de 21 espécies de abelhas sem ferrão brasileiras e australianas – Foto: Gilberto Romeu Winter/Wikimedia Commons
Conflitos de classe nos ninhos de abelhas sem ferrão são resolvidos mais democraticamente que nos de abelhas europeias, como as do gênero Apis, pelo menos no que diz respeito ao comportamento reprodutivo.
Ao contrário das rainhas europeias, as representantes dos trópicos não realizam castração química das operárias. O feromônio (odor característico dos componentes químicos que revestem seus corpos) apenas sinaliza sua presença no ninho, não guardando relação com controle de colocação de ovos no ninho. E, mais, essas espécies evoluíram de um grupo ancestral cujas operárias botavam ovos mesmo na presença da rainha.
Nas colmeias de abelhas sem ferrão não somente inexiste castração química como a rainha fértil, botando ovos regularmente na colônia, traz benefícios indiretos às operárias. A tese dos pesquisadores é a de que outros fatores, além dos genéticos (veja adiante), atuam na evolução dessas características, como os ecológicos.
Esses são os primeiros achados do trabalho de Tulio Marcos Nunes, pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, publicados em edição recente da Nature Ecology & Evolution. Nunes estudou o comportamento reprodutivo das colmeias e a composição química do feromônio das rainhas de 21 espécies de abelhas sem ferrão brasileiras e australianas.
Rainhas de abelhas sem ferrão, nativas de regiões tropicais, não realizam castração química de suas operárias – Foto: Norberto P. Lopes / Divulgação
Nem todas as espécies tinham dados comportamentais descritos pela ciência. A equipe completou os estudos com o apoio de colegas do Laboratório de Comportamento e Genética de Insetos Sociais da Universidade de Sydney, Austrália.
Já as informações dos hidrocarbonetos cuticulares (feromônio) da rainha são todas inéditas. Os pesquisadores quantificaram e analisaram cada um dos conteúdos químicos de pelo menos uma rainha de cada espécie, com a supervisão do professor Norberto Peporine Lopes, chefe do Núcleo de Pesquisa em Produtos Naturais e Sintéticos da FCFRP. O projeto que deu origem ao estudo foi financiado pela Fapesp.

Abelhas pouco estudadas

Num momento em que cientistas alertam para o possível desaparecimento de polinizadores naturais, com riscos para a agricultura, conhecimentos quanto à adaptação evolutiva das espécies sem ferrão nas regiões tropicais interessam não só aos acadêmicos.
Representantes da tribo Meliponini, esse é “um grupo de abelhas extremamente diverso e pouco estudado”, comenta o pesquisador. Popularmente chamadas abelhas sem ferrão ou abelhas indígenas sem ferrão, são nativas e abundantes no Brasil. Mas ocorrem em toda área tropical do mundo – Américas do Sul e Central, África, Ásia e Oceania. Hoje, estão descritas mais de 600 espécies com comportamento e ecologia bem variados.
Nunes espera obter informações para compreender melhor a evolução do comportamento social desses insetos, como eram suas sociedades e como estão organizadas atualmente. Mas, através dos últimos dados, conseguiu verificar como as operárias das espécies sem ferrão respondem ao feromônio da rainha (ou pelo menos à presença ou ausência dela) no controle de colocação de ovos.
E isso foi possível, não apenas observando o comportamento das abelhas em laboratório, mas analisando os compostos químicos das cutículas das rainhas. Em três espécies – Friesella SchrottkiLeurotrigona muelleri Plebeia lucii, essas substâncias eram completamente diferentes. O que, garante Nunes, indica que a “modulação da esterilidade da operária em resposta ao feromônio da rainha surgiu independentemente pelo menos três vezes”.
A distribuição da reprodução das operárias através da filogenia (estudo da evolução da espécie) indica que “a reprodução das operárias na presença de uma rainha era a condição ancestral para as abelhas sem ferrão”, conta o biólogo.

Menos zangões, menos conflitos

Ao observar a reprodução das operárias na presença ou ausência da rainha de cada uma das 21 espécies, o biólogo percebeu que não ocorria impedimento químico à colocação de ovos das operárias. “Na verdade, a presença da rainha botando regularmente no ninho é positiva, tanto para as operárias quanto para a rainha”, diz Nunes.
A rainha é responsável pela produção de toda a prole. Ela é a única fêmea a ser fecundada pelos zangões (machos da colmeia), mas não é a única a botar ovos não fecundados (que originam os zangões), algumas operárias também são. Essa produção é importante para eventual substituição da rainha (morte, por exemplo); novos machos poderão fecundar as ninfas, futuras rainhas.
O conflito genético se instala nessa situação, já que para “a rainha, do ponto de vista evolutivo, teria um maior retorno genético se ela produzisse todos os machos da colônia, que se relaciona geneticamente em 50% com sua mãe”, comenta o pesquisador. E o mesmo vale para as operárias, que têm que cuidar dos filhos da rainha.
Mas a resolução dos conflitos na colônia não se dá apenas contornando fatores genéticos. Nunes conta que a ausência da rainha sempre é sinal de conflito num ninho, porém no caso estudado, da capacidade de modular a própria esterilidade, a operária usa critérios ecológicos para não se reproduzir.
A melhor adaptação evolutiva, usando critérios ecológicos como: reprodução da colônia, tamanho do ninho, sazonalidade e comportamento, também é importante para regular conflitos. Mas o pesquisador acredita que, no caso das abelhas sem ferrão, o contingente populacional seja mais importante que o genético.
O tamanho da colmeia e a quantidade de machos produzidos podem ser fatores decisivos para que as operárias não se reproduzam, uma vez que elas só são capazes de produzir machos e eles não trabalham. “Se muitas se reproduzirem, o custo para a colônia fica muito alto”, comenta.
Rita Stella, de Ribeirão Preto
Mais informações: e-mail tulionunes@usp.br

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