terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Vida de abelha

Não é só mel que esse inseto oferece: de flor em flor, as abelhas fazem 
a polinização e aumentam o rendimento 
dos produtos agrícolas

 
Abelha polinizando florO mel é um poderoso adoçante natural, conhecido pela humanidade desde a pré-história. Não é, porém, a única contribuição das abelhas à nossa alimentação. Tão pouco a mais importante, se comparada a outro serviço prestado por esses insetos: a polinização.

A produção mundial de alimentos depende desse importante serviço prestado pelas abelhas. No texto a seguir, vamos entender quais as contribuições para a biodiversidade desses pequenos polinizadores e conhecer um pouco mais de suas características.

Entre as mais de 350 mil espécies de plantas com flores, uma avaliação recente estimou que 87,5% delas se beneficiam pela polinização com animais. Assim, beija-flores e outras aves, morcegos e pequenos mamíferos, alguns lagartos e muitos insetos são importantes polinizadores. Para viver, eles dependem de um lugar para morar, alimento, proteção contra os inimigos e parceiros para a cópula.

Recentemente, ficou bem estabelecido que o principal produto do trabalho das abelhas para o homem é o que elas realizam voando de flor em flor. Em busca de alimento, elas fertilizam as flores. O corpo das abelhas tem muitos pelos e os grãos de pólen liberados pelas anteras ficam presos a eles. Na visita às flores, as abelhas, entre outros insetos, transportam os grãos de pólen (com gametas masculinos) de uma flor para o estigma (parte feminina) de outra flor. Assim se dá o processo da polinização.

Vamos ver, na prática, alguns exemplos de alimentos que precisam de polinizadores: o mamão é polinizado por mariposas; o cupuaçu por abelhas sem ferrão muito pequenas; o açaí, por várias espécies de abelha. O melão precisa muito das abelhas para desenvolver o seu fruto com qualidade, assim como as maçãs, o morango, o abacate, o pimentão, a berinjela, as várias pimentas, o tomate e o café, entre muitas outras culturas.

Por isso, a polinização é utilizada na agricultura para aumentar o rendimento dos produtos agrícolas: produzimos maior quantidade dos melhores frutos por área quando os polinizadores estão presentes.  O valor econômico deste serviço dos polinizadores na agricultura foi calculado como, em média, 10% do rendimento agrícola.

O homem utiliza apenas 0,1% das espécies de plantas conhecidas na agricultura. Como podemos calcular o valor dos polinizadores na manutenção da biodiversidade terrestre? É aqui que o serviço ecossistêmico da polinização tem o seu maior valor, inestimável até o momento.

Com seu corpo cheio de pelos e dependência total dos recursos florais (néctar, pólen e em alguns casos óleos florais) para a alimentação dos adultos e da cria, as abelhas são muito importantes para a polinização cruzada das plantas. São conhecidas aproximadamente 20 mil espécies de abelhas no mundo, cerca de 2 mil no Brasil, já descritas pelos cientistas. Saber o nome da abelha que estamos estudando ou observando é muito importante, porque assim buscamos informações sobre elas na literatura.

Quando falamos em abelhas, pensamos geralmente nas abelhas domésticas, chamadas de europeias ou africanizadas. Os cientistas a chamam de Apis mellifera. É uma abelha muito abundante no campo e nas cidades, nativa na África, Europa e parte da Ásia e introduzida pelos colonizadores nos outros continentes. No Brasil, veio após a chegada da família real, pelo padre Antonio Carneiro, em 1839, com o objetivo de fornecer cera para a confecção de velas usadas nos ofícios religiosos (naquele época, as abelhas Apis eram consideradas o símbolo da pureza e do trabalho).

As Apis vivem em colônias grandes, com um ninho de arquitetura muito simples: são favos verticais, compostos de células hexagonais justapostas umas às outras, que servem tanto para abrigar a cria quanto para guardar o alimento coletado.

Os indivíduos da colônia têm dois sexos, feminino (rainha e operárias) e masculino (o zangão). As fêmeas das colônias pertencem a duas castas, uma reprodutiva, a rainha, que é a fêmea que bota os ovos; outra estéril, as operárias, que são filhas da rainha e que fazem todo o trabalho da colônia (cuidado com a prole, limpeza, coleta de alimento, produção de cera, guarda, entre outras atividades).

A função da rainha no ninho é botar ovos, que se desenvolvem em larvas, pré-pupas, pupas e finalmente adultos (o desenvolvimento completo demora 20 dias para as operárias e 15 para as rainhas). As colônias de abelhas, consideradas verdadeiramente sociais, apresentam cuidado com a prole, sobreposição de gerações e uma casta reprodutiva.

As abelhas começaram a ser criadas pelo homem há muito tempo. Esta criação chama-se apicultura. Hoje ela é praticada no mundo todo, e a principal atividade apícola é o mel. Há outros produtos, como a cera, a própolis, o pólen e até o veneno das abelhas, todos com propriedades medicinais e valor no mercado.

O valor das abelhas na produção de alimentos utilizados pelo homem é muito maior do que o valor do mel produzido por elas. Já vimos um pouco da biologia das abelhas domésticas, as Apis mellifera. Como elas são criadas há muito tempo para a coleta do mel, são utilizadas também como polinizadoras de vários cultivos agrícolas no mundo todo.

Outras espécies de abelhas
Embora tenhamos como ponto de partida para explicar a vida das abelhas a Apis mellifera, com uma socialidade avançada, a maioria das espécies de abelhas encontradas nas flores tem hábitos solitários. Essas abelhas fazem ninhos em orifícios no solo ou em troncos e outros locais abrigados. Logo que nascem são fecundadas e vão procurar alimento nas flores e um lugar para construir os seus ninhos. Uma vez encontrado o local adequado, fazem uma cavidade e depois de preparada ali colocam o alimento, geralmente uma massa de pólen (fonte de proteínas) e néctar de flores. Sobre essa massa colocam o seu ovo. A seguir, fecham a célula e iniciam a construção de outra célula.  Nas abelhas solitárias, maioria entre as espécies conhecidas, a mãe nunca vai encontrar os seus filhos.

Vamos falar agora das abelhas nativas sociais do Brasil, conhecidas como abelhas indígenas sem ferrão ou meliponíneos.  Com certeza nas escolas, nos muros de pedras ou em ocos variados há umas abelhas geralmente pequenas e que nos dias quentes voam muito. Vamos escolher como exemplo uma espécie de abelha muito comum nas cidades, a abelha jataí.

Há mais de 400 espécies de abelhas sem ferrão descritas que vivem nas Américas. São abelhas sociais, tropicais ou subtropicais, que formam colônias de tamanhos e populações variáveis. Uma de suas características principais é a entrada do ninho, com forma típica para cada espécie de abelha.

A característica comum é a alimentação maciça da cria. Assim, as células de cria são construídas e quando estiverem prontas serão aprovisionadas pelas operárias, que regurgitam nelas um alimento larval líquido, composto de mel, pólen e secreções das glândulas hipofaringeanas das abelhas (conhecida como geleia real nas Apis).  A rainha aproxima-se das células com alimento e ali bota o seu ovo.

A célula a seguir é fechada pelas operárias. Após cerca de 40 dias nasce a abelha adulta, e o restante da célula de cria é desmanchado e jogado fora. Várias células de cria justapostas formam um favo de cria. Já o alimento coletado por essas abelhas é colocado em potes especiais, construídos sempre que há alimento disponível na natureza.

Numa colônia de jataí temos muitas operárias com função de guarda que defendem o ninho contra os inimigos (geralmente outros insetos).  Nas abelhas verdadeiramente sociais, como é o caso dos meliponíneos e das abelhas Apis, a rainha não funda mais o seu ninho sozinha, mas precisa do auxílio das operárias, processo conhecido como enxameação.

O processo de enxameagem dos meliponíneos é em etapas, e geralmente demorar alguns dias. Inicialmente as abelhas acham a nova cavidade e constroem a entrada do ninho. Depois limpam o seu interior e vão construindo o ninho aos poucos, até a transferência do enxame para este novo ninho.  A criação das abelhas sem ferrão é chamada de meliponicultura.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental


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